segunda-feira, 2 de abril de 2012

Saneamento mais do que básico

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O Brasil ainda patina na implantação de estações de tratamento de esgotos, o que prejudica a saúde da população, a qualidade ambiental de rios e mares e atrapalha os negócios.
Existem alguns chavões usados para falar de saneamento básico, alguns são até engraçados, não fossem realmente trágicos. “Obra enterrada não dá voto”, bradam políticos correligionários de Odorico Paraguaçu, prefeito da fictícia Sucupira. Na oposição ficam aqueles que esgrimam com números “um real aplicado em saneamento economiza quatro reais em gastos com a saúde”, uma argumentação que ganhou a simpatia dos militantes. Fato é que a falta de saneamento manda muita gente para os hospitais, ou pior. E a água contaminada já é, também, impeditivo para o desenvolvimento econômico, seja para empresas que precisam de água de qualidade para suas atividades, ou para os negócios ligados ao turismo, o que em véspera de Copa do Mundo deveria acender luzes de alerta em todos os ministérios, governos estaduais e prefeituras. Um exemplo dos problemas está na falta de balneabilidade de praias e outros locais públicos. Em 2010 a Cetesb, empresa que monitora qualidade ambiental no Estado de São Paulo, liberoupara banho, durante todo o ano, menos de 30% de 83 praias monitoradas no litoral norte, região de turismo nobre. O veto a banhistas se dá, na maior parte das vezes, pela contaminação da água e da areia por esgotos.
Dados do Censo do IBGE sobre saneamento, divulgado no final de 2011, mostram que, em 2008, apenas 55% das pouco mais de 5.500 cidades brasileiras tinham algum tipo de coleta de esgotos, sendo que o indicador melhora no Sudeste, chegando a 95%, e cai para menos de 15% na região Norte. Na média, 55% das casas dos brasileiros não tem coleta adequada de esgoto e quase 2.500 municípios não possuem nenhum tipo de coleta. Segundo o secretário de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo, Edson Giriboni, são números que impressionam, mas que tendem a mudar no médio prazo. “Há mais recursos sendo destinados ao saneamento desde 2007, quando foi aprovada a Lei Federal 11.445, que estabelece a universalização do saneamento básico como um compromisso da sociedade brasileira”, explica Giriboni.
De fato, na primeira fase do PAC 1 – o Programa de Aceleração do Crescimento, o saneamento recebeu cerca de R$ 40 bilhões entre os anos de 2007 e 2010, e no PAC 2 estão previstos mais R$ 41,1 bilhões para investimento em ações de saneamento no quadriênio 2011-2014. Esta dinheirama deveria beneficiar 1.116 cidades em todo o país, mas não é isto que está acontecendo. Dados do Ministério das Cidades mostram que apenas 16% das obras do PAC 1, e menos de 10% dos recursos, foram efetivamente realizados. Ou seja, de R$ 40 bilhões previstos, menos de R$ 4 bilhões foram gastos e os dados sobre a efetividade dos investimentos não são alentadores.
O Ministério das Cidades alega que boa parte dos problemas relacionados à execução das obras está ligada à deficiente gestão e planejamento. Os entraves vão de projetos de engenharia inadequados, insuficiência de quadros técnicos no setor público, à falta de capacidade técnica e gerencial para fazer frente ao grande número de investimentos simultâneos atualmente em execução. Mas, um dos principais obstáculos vem do próprio governo federal, que está atrasado para colocar em consulta pública o Plano Nacional de Saneamento, que deverá definir as metas para o setor até 2030. Sem isto, o setor privado se acanha em investir ou em formar parcerias com o setor público para avançar em projetos e obras.
Mesmo reconhecendo avanços da política de saneamento básico e a disponibilização de recursos para a realização das obras, Ana Lucia Britto, professora do Departamento de Urbanismo e Meio Ambiente e vice-coordenadora do programa de Pós-Graduação em Urbanismo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), aponta alguns problemas ainda não equacionados para que se consigam os melhores resultados. Fazendo coro com o governo, a pesquisadora ressalta que os projetos precisam ser melhor planejados. Ela lembra que os municípios, segundo reza a lei, são os responsáveis pela implantação dos projetos de saneamento, mas que não é possível trabalhar de maneira isolada já que o problema extrapola a área geográfica da cidade. “É preciso realizar planejamentos integrados, como os de atuação coordenada em grandes áreas metropolitanas”. Para ela a experiência da Região Metropolitana de Belo Horizonte, a primeira a propor um processo de planejamento envolvendo as prefeituras e órgãos públicos com ação no desenvolvimento da região, deve ser tomada como exemplo. Segundo ela, o saneamento integra a gestão, proteção e recuperação dos recursos hídricos, a universalização do saneamento básico, a gestão dos resíduos sólidos, a recuperação de áreas de interesse para a conservação, e a intensificação do uso do espaço urbano. Ana Lucia apenas lamenta que outras regiões não estejam seguindo esse caminho.
Um ponto que pode ser considerado positivo, mas que também levanta dúvidas é que todos os municípios brasileiros devem apresentar seus planos de saneamento entre o final de 2013 e o início de 2014, caso contrário terão suspensos seus repasses de verbas federais. A pesquisadora argumenta que muitas das cidades com até 50 mil habitantes, que são maioria entre os municípios brasileiros, podem não ter a capacidade técnica para realizar esses projetos.
Estudos elaborados pelo Instituto Trata Brasil (ITB), organização da sociedade civil que trabalha pela universalização do acesso a coleta e tratamento de esgoto, em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV), apontam que as cidades pequenas precisam urgentemente de apoio para a elaboração de projetos e para capacitar seus servidores. O caminho sugerido por especialistas é a formação de consórcios de municípios na mesma bacia hidrográfica, ou seja, banhados pelo mesmo rio ou seus afluentes. Desta forma podem compor não apenas em termos de capacidade técnica, mas também de recursos disponíveis para a implementação de estações de tratamento e outras obras de infraestrutura necessárias.
Este cenário apresenta boas oportunidades para empresas que queiram participar da construção ou operação de sistemas de coleta e tratamento. No entanto há um entrave legal, apenas 5% das cidades foram capazes até agora de apresentar seus planos de gestão nessa área, e a Lei 11.445 determina que apenas com esses planos aprovados as prefeituras poderão firmar contratos para a concessão desses serviços. O governo federal demonstra preocupação com o problema. Tanto que no PAC 2 destinou recursos para apoiar tecnicamente municípios na elaboração dos planos de saneamento.
Economia de primeiro e saneamento de quinto mundo
O Brasil se orgulha em ostentar a sexta posição no ranking das maiores economias do mundo. No entanto, no que se refere ao saneamento, o país despenca para 67ª posição, segundo dados da Organização das Nações Unidas.
O estudo Benefícios Econômicos da Expansão do Saneamento Brasileiro, elaborado pelo Instituto Trata Brasil e pela Fundação Getulio Vargas (FGV), mostra um panorama desolador. Em um ranking dos 81 municípios com mais de 300 mil habitantes, a média de tratamento é de apenas 72% do esgoto coletado. Uma média que não revela as grandes diferenças entre o primeiro lugar de Jundiaí, em São Paulo, com 92% de esgoto tratado, do último lugar, a capital de Rondônia, Porto Velho, com apenas 2%.
O abismo que separa exemplos do Sul “maravilha” dos do Norte brasileiro são emblemáticos do desenvolvimento e do pouco cuidado com o trabalho realizado em prol do interesse público.
Conforme explica Wilson Roberto Engholm, presidente da DAE, a companhia municipal de água e esgoto de Jundiaí, cidade de 370 mil habitantes, a preocupação com o saneamento começou nos anos 70 do século passado, quando se deu prioridade a áreas de mananciais e de proteção ambiental (Serra do Japi). Desde essa época, ficou definido que os rios não mais poderiam receber os esgotos. Esta política foi se mantendo e, mesmo antes do novo século, toda a área urbana de Jundiaí já possuía 100% de esgoto tratado e coletado.
Wilson conta que as indústrias colaboraram com a prefeitura em várias ações, entre elas a eliminação das fossas e a implantação do emissário para a coleta do esgoto. “As empresas participantes desse processo receberam um crédito de dez anos que foi sendo amortizado do valor que pagariam pela coleta de esgoto”. O diretor da DAE vê todo esse trabalho feito pela cidade como um “cartão postal” e diferencial competitivo para o recebimento de novos investimentos. “Oferecemos condições que poucos municípios são capazes de oferecer.”
Se Jundiaí vislumbrou mais cedo as necessidades de se investir em saneamento básico, outra grande cidade Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, deixou durante muito tempo de “fazer a sua lição de casa”. Até muito recentemente, como mostra o estudo do Instituto Trata Brasil, a cidade despejava todo o seu esgoto em rios, principalmente, no famoso e poluído Rio Tietê, sem qualquer tratamento.
A SAEE (Serviço Autônomo de Água e Esgoto) de Guarulhos afirma que está com obras a todo vapor. Nos últimos dois anos, entraram em operação duas estações de tratamento de esgoto (ETEs) e outra deverá ser inaugurada neste mês, elevando o tratamento em Guarulhos para 35%. Afrânio de Paula Sobrinho, superintendente da SAEE, é enfático ao dizer que “agora existe uma mudança de cultura, investimentos significativos e a compreensão de que não estamos numa região de abundância de água”. Ele ressalta a recuperação da “autoestima guarulhense”. “A cidade era identificada como responsável pela poluição do Tietê e agora, felizmente ou infelizmente, outras cidades estão ocupando essa triste posição.”
Muitas vezes, além de pesados investimentos, é preciso ações baseadas em bom senso e sensibilidade para o real cumprimento das metas e demandas estabelecidas. É o caso do programa do governo de São Paulo e da Sabesp, chamado Se Liga na Rede. O projeto vai custear as ligações na rede de esgoto para famílias de baixa renda com renda de até três salários mínimos no Estado. Serão 192 mil novas conexões para cerca de 800 mil pessoas.
Todos esses imóveis já possuem a rede coletora instalada na rua ao custo para o poder público de R$ 8 mil por residência. Só que faltava fazer a ligação interna, na casa das pessoas. Este custo, em torno de R$ 1,8 mil, era do proprietário e na maioria das vezes não era completado, por falta de interesse ou mesmo de orçamento familiar. O fato é que, ao subsidiar a instalação, o governo vai gastar mais R$ 1,8 mil por residência, mas por outro lado dará um destino correto ao esgoto.A conclusão do secretário de Saneamento de São Paulo, Edson Giriboni, é bastante simples, “melhor investir cerca de R$ 10 mil com resultados do que gastar R$ 8 mil sem alcançar objetivo algum”.
Outro exemplo positivo vem da Sanepar (Companhia de Saneamento do Paraná), no atendimento a comunidades rurais. A parceria entre a companhia estadual, a prefeitura e moradores reestruturou o sistema de tratamento e abastecimento de água para as 170 famílias das comunidades rurais de Campestre e Campestrinho, em Tijucas do Sul. Com a mudança, as pessoas abandonaram a captação de água em minas contaminadas.
Os resultados são visíveis, segundo Fernando Ghignone, presidente da Sanepar. Por exemplo, na Escola Rural Ermínio Cardoso, onde era comum casos de diarreia e vômito entre os 75 alunos que lá estudam, inclusive com registros de internações, esses registros tiveram uma queda em torno de 90%. “Isto garante qualidade de vida, saúde, cidadania às pessoas e ainda a preservação do meio ambiente”, conclui Ghignone.
A educação é outro setor que tem muito a ganhar com a expansão do saneamento básico. O estudo do Centro de Políticas Sociais da FGV, realizado a pedido do Instituto Trata Brasil em 2008, constatou uma diferença de 30% no aproveitamento escolar entre crianças que têm e as que não têm acesso a saneamento básico, com reflexos nefastos ao longo da vida para esses jovens, praticamente condenados a menor qualificação e, portanto, menores salário e renda no futuro.
Um alto custo para a saúde das pessoas e para a economia do país
O DataSUS , banco de dados do Sistema Único de Saúde, em 2009, registrou 462 mil internações por infecções gastrintestinais em todo o país. Apenas entre crianças e jovens, foram 251 mil internações. As regiões mais afetadas foram justamente as que possuem menor acesso as redes de esgoto: o Norte e o Nordeste do Brasil. No Norte, com 17% das internações, a incidência é de 5,25 casos por mil habitantes no ano, mais de duas vezes acima da média nacional. Lá, 88% das moradias não têm esgoto coletado. No mesmo período, o Nordeste registrou metade das internações brasileiras, com 231,6 mil casos. O déficit do saneamento nordestino também é muito alto, 64% das moradias em 2008, segundo o Sistema Nacional de Informações de Saneamento (SNIS). Os custos dessas internações também foram altas, de cerca de R$ 350 em média, acarretando despesas públicas de R$ 161 milhões anuais.
O setor produtivo sofre as consequências com internações evitáveis e reduz a atratividade de novas indústrias e serviços para as localidades com deficiência das redes de coleta e tratamento de esgoto. Em 2009, dos 462 mil pacientes internados por infecções gastrintestinais, 2.101 morreram no hospital. Se houvesse acesso universal a saneamento, haveria uma redução de 25% no número de internações e 65% na mortalidade – ou seja, 1.277 vidas seriam salvas.
O Instituto Trata Brasil verificou que, no espaço de apenas um ano, as empresas gastaram R$ 547 milhões em remunerações por horas não trabalhadas de funcionários afastados com infecções gastrintestinais. Além de evitar o afastamento, o acesso a  coleta de esgoto para um trabalhador sem esse serviço, vai possibilitar a melhora geral de sua qualidade de vida e uma produtividade 13,3% superior. A universalização do saneamento básico seria um fator gerador de aumento da massa salarial dos brasileiros, atualmente em R$ 1,1 trilhão. Hoje, segundo o ITB, esses valores seriam elevados em 3,8%, ou cerca de R$ 41,5 bilhões, no crescimento da folha de pagamentos.
Impulso para o turismo
O turismo tem muito a ganhar com o saneamento e muito a perder com a demora em se atingir patamares mais altos de acesso a tratamento de esgoto. A universalização do saneamento básico seria capaz, de acordo com os estudos da FGV e do ITB, de gerar um crescimento de R$ 1,9 bilhão e a criação de 120 mil novos empregos no setor de turismo. Existe uma grande relação entre turismo e acesso a saneamento. Tanto que o Ministério do Turismo identificou, entre os 65 principais endereços turísticos brasileiros – entre eles as capitais e destinos como Fernando de Noronha (PE) e Porto Seguro (BA) –, as carências e necessidades de infraestrutura, com destaque para os problemas de saneamento. Em sintonia com os projetos tocados pelo Ministério das Cidades, o Turismo também está alocando recursos para contribuir para o incremento do setor. “Saneamento básico se traduz em saúde pública e também na qualidade do atendimento das pessoas e para as pessoas, por isso consideramos fundamental sanar esses problemas”, afirma Fabio Rios Mota, secretário nacional de Programas de Desenvolvimento do Turismo.
Investir em serviços de coleta e tratamento de esgotos representam maiores oportunidades de emprego e renda, qualidade de vida para as pessoas, além de possibilitar o surgimento de novos negócios, aumento na produtividade das empresas e crescimento na arrecadação de impostos. (Envolverde)

Fonte: http://envolverde.com.br

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