Agência Fapesp – A
planta de lótus (Nelumbo nucifera) virou símbolo de pureza espiritual
por sua capacidade de se manter impecavelmente limpa apesar do ambiente
lamacento em que vive. Tal façanha pode ser explicada pela presença de
nanocristais de cera na superfície de suas folhas capazes de repelir a
água de maneira muito eficaz. As gotas que ali caem assumem uma forma
quase perfeitamente esférica, deslizam com facilidade e levam consigo a
sujeira e os microrganismos.
Tal fenômeno, batizado pelos cientistas de “efeito lótus”, serviu de
inspiração para o desenvolvimento de tintas, vidros e tecidos
autolimpantes, que dispensam o uso de detergentes, além de equipamentos
eletrônicos à prova d’água.
Já a superfície única da pele do tubarão de galápagos (Carcharhinus
galapagensis), repleta de minúsculas protuberâncias que funcionam como
um repelente natural de bactérias, inspirou o desenvolvimento de
biofilmes para revestir camas hospitalares, entre outras aplicações.
Esses e outros exemplos de tecnologias inspiradas pela natureza foram
apresentados pela bióloga norte-americana Janine Benyus durante o
Simpósio Internacional Biomimética & Ecodesign, realizado pela
Fapesp e pela Natura no dia 11 de abril.
Benyus é pioneira em um campo de pesquisa emergente, a biomimética,
que propõe aos cientistas usar a biodiversidade não como fonte de
matéria-prima para a indústria, mas como fonte de ideias para o design e
o desenvolvimento de produtos e de sistemas.
“O número de produtos inspirados pela natureza dobra a cada ano no
mercado e o número de publicações científicas na área duplica a cada
dois ou três anos. É um campo do conhecimento que cresce muito
rapidamente”, contou Benyus.
Durante a palestra, a bióloga mostrou de que forma a biomimética pode
ajudar a superar desafios globais, como garantir o acesso à água
potável, à alimentação e à energia, além de reduzir as emissões de
carbono. Entre os casos citados, está um dispositivo capaz de capturar a
umidade do ar e usá-la para irrigar plantações de forma dez vezes mais
eficiente que as redes coletoras de neblina tradicionais.
O autor original da ideia é o besouro da Namíbia (Stenocara
gracilipes), morador de áreas desérticas que, durante a madrugada,
coleta o sereno com a ajuda de microcanais na superfície de seu corpo
feitos de materiais hidrofóbicos (como as folhas de lótus) e
hidrofílicos (que, ao contrário, atraem a água). As microgotículas fluem
pelos microcanais do dorso e unem-se para formar gotas grandes, que
chegam até a boca do animal.
“Existem duas formas de fazer biomimética. Uma delas é partir de um
desafio de design e buscar um modelo biológico capaz de realizar aquela
função que você precisa. A outra é observar um fenômeno interessante do
mundo natural e procurar aplicações para ele”, afirmou Benyus.
O princípio não serve apenas para o desenvolvimento de produtos. Pode
inspirar, por exemplo, o planejamento de cidades sustentáveis, que
funcionem como um ecossistema natural. “Ecossistemas naturais, como as
florestas tropicais, são generosos. Limpam o ar, limpam a água,
fertilizam o solo. Produzem serviços que beneficiam também outros
habitats. É isso que as cidades deveriam fazer”, opinou.
Construir pontes
Antes de trabalhar como consultora de empresas interessadas em
encontrar soluções para criar produtos sustentáveis, Benyus era
escritora de livros de história natural.
“Como bióloga, eu via muitos pesquisadores estudando como as folhas
fazem fotossíntese e como os ecossistemas trabalham tão bem em conjunto.
Por outro lado, havia um interesse crescente das empresas por soluções
mais sustentáveis. Mas os designers não enxergavam as pesquisas
produzidas pelos biólogos. Era preciso construir uma ponte entre eles”,
contou em entrevista à Agência Fapesp.
Há 15 anos, Benyus publicou o livro Biomimicry: Innovation Inspired
by Nature, no qual reuniu diversas pesquisas sobre o tema e introduziu o
termo “Biomimética”. Desde então, além de prestar consultoria
empresarial, a americana oferece um serviço sem fins lucrativos para
instituições acadêmicas e cursos de especialização para biólogos,
químicos, engenheiros, arquitetos e demais cientistas interessados em se
aprofundar no tema. Todos os serviços estão reunidos no Instituto
Biomimicry 3.8.
Benyus também mantém o portal Ask Nature , que reúne um enorme banco
de dados taxonômicos e permite aos pesquisadores interessados em
biomimética realizar gratuitamente buscas de estratégias do mundo
natural para lidar com um determinado desafio.
“Tudo que os organismos naturais fazem para saciar suas necessidades –
comer, respirar, acasalar – contribui de alguma forma para a
fertilidade do habitat em que vivem. Os dejetos dos animais adubam o
solo, o dióxido de carbono que expiram é usado pelas plantas na
fotossíntese. A vida criou um sistema generoso e essa é a razão pela
qual esse material genético existe há 10 mil gerações. A única forma de
garantir o futuro de nossos filhos, netos e bisnetos é cuidar do lugar
em que vão viver. Tem de aprender a ser generoso. É o que a vida faz”,
defendeu.
Design sustentável
Ainda durante o Simpósio Internacional Biomimética & Ecodesign,
Tim McAloone, professor do Departamento de Engenharia Mecânica da
Danmarks Tekniske Universitet, na Dinamarca, falou sobre outra
estratégia que permite às empresas criarem processos e produtos
ambientalmente adequados: o ecodesign.
“Design para o ambiente é um conceito que permeia todas as fases do
ciclo de vida de um produto, desde a escolha do material, do processo de
manufatura e dos meios de transporte,até a distribuição e o descarte”,
explicou.
Como exemplo, citou uma cadeira de escritório desenvolvida pela
empresa americana Steelcase. Com um número menor de peças e materiais
diferenciados, foi possível reduzir 15% o peso de transporte e o volume,
além de tornar o processo de reciclagem mais fácil e de aumentar a
durabilidade.
Além de apresentar aos cientistas critérios-chave para o design
sustentável, McAloone falou sobre meios para implantar essa forma de
planejamento nas organizações e divulgou um guia gratuito para o
desenvolvimento de produtos disponível para download no site: www.kp.mek.dtu.dk/Forskning/omraader/ecodesign/guide.aspx.
Parceria
Na abertura do simpósio, o diretor de Ciência e Tecnologia da Natura,
Vitor Fernandes, afirmou que o objetivo do evento era unir dois temas
considerados pela empresa “bastante complementares”. “Queremos discutir
com a comunidade científica de que forma isso pode ser aprofundado,
expandido e gerar valor para a sociedade, as empresas e a ciência”,
disse.
O diretor científico da Fapesp, Carlos Henrique de Brito Cruz,
ressaltou que a parceria com a Natura faz parte dos esforços da Fapesp
para promover a interação entre pesquisadores de instituições acadêmicas
paulistas e aqueles que atuam em empresas.
“No Estado de São Paulo existe um grau de interação entre empresa e
universidade comparável ao de qualquer lugar do mundo onde há boas
pesquisas e boa ciência”, disse Brito Cruz.
Segundo dados da National Science Foundation, em 2010,
aproximadamente 6% do dinheiro investido em pesquisa nas universidades
norte-americanas veio de empresas. “Na Europa esse percentual varia
entre 3% e 10%. Em universidades paulistas, como USP, Unesp e Unicamp,
está entre 5% e 10%. São percentuais comparáveis em termos de volume de
recursos e de quantidade de projetos”, disse Brito Cruz.
Mas, para que a parceria dê certo, ponderou o diretor científico da
Fapesp, é preciso que a empresa tenha sua própria atividade de pesquisa.
“Assim conseguirá perceber onde precisa de ajuda e montar uma pauta de
pesquisa. A colaboração com a universidade não substitui a pesquisa
interna da empresa”, destacou.
* Publicado originalmente no site Agência Fapesp.
(Agência Fapesp)
Fonte: Envolverde
quarta-feira, 17 de abril de 2013
Produtos inspirados pela natureza dobram a cada ano no mercado.
Postado Por Luciano Pazuch as 08:43
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